domingo, 3 de abril de 2011

A dor

Sempre tive interesse em estudar um mesmo tema, pelas mais variadas perspectivas e, sem dúvida, a dor foi sempre algo que senti muito próximo, com grande intensidade. Não desejo exemplificar ou partilhar aspectos do meu passado que considerarão irrelevantes, mas criei uma relação íntima com a dor, ao longo dos anos, e busquei sempre conhecê-la um pouco melhor, compreendê-la melhor, senti-la melhor e, derradeiramente, conviver com ela de uma forma saudável e que me permitisse melhorar-me sistematicamente e ao meio envolvente, por tão exquisita (não confundir com esquisita) aprendizagem.

Há muitas formas de dor, muitas formas de a testar, muitas formas de a ver e estudar, mas todas elas, invariavelmente, existem num plano mais subjectivo do que a maioria pensa. Da mesma forma que uma intensa dor física tem repercussões psicológicas, também uma intensa dor psicológica pode manifestar-se fisicamente… Como poderíamos então estudar tal fenómeno com uma metodologia eficiente, correcta e conclusiva?

Essa é uma questão que ainda não foi respondida, talvez nunca o venha a ser, daí a dor ser abordada nos campos da Filosofia, Medicina, Antropologia e muitos outros! Mas de todos esses campos, há valiosa aprendizagem à nossa espera que, embora não tenha o mesmo impacto que sentir a dor directamente, permite-nos compreender de forma mais profunda o Homem e a sua posição no Mundo.

Um dos principais aspectos a tomar em conta, talvez o mais relevante de todos e que não posso deixar de focar, é o seguinte: todo o tipo de dor provoca um dano moral. E esse dano moral põe em causa a nossa relação com o Mundo. Não é apenas “por acaso” que a dor física e psicológica é a experiência humana mais partilhada para além da morte.

Agora que temos essa ideia em mente, essa consciência do aspecto preponderante da dor nas nossas vidas (um valor intrínseco, objectivo, da dor), farei por explicitar um outro aspecto da dor que muitos ignoram e que é o factor mais “humano” da mesma…

Todo e qualquer tipo de dor (física ou psicológica) é subjectiva. Todos o sabemos, até certo ponto, mas é difícil de explicitar de uma forma racional e lógica. A verdade é que uma ferida ou dor idêntica, causada a dois sujeitos, será sentida de forma diferente, não apenas por funcionamento fisiológico diferente, mas também devido às suas origens culturais! Esta é uma ideia que eu considero fascinante, pois demonstra que até um aspecto tão íntimo, próprio, “fechado” como a dor é experienciado de forma diferente, graças a todo um processo de aprendizagem inconsciente que varia consoante o meio envolvente.

Não vos incomodarei com dados específicos, mas caso tenham interesse em aprofundar o vosso conhecimento numa construção social e cultural da dor, aconselho vivamente a lerem o livro “Compreender a Dor”, de David Le Breton, um antropólogo brilhante (pelo menos, é essa a minha opinião desse indivíduo). É uma obra fascinante, que traz uma profundidade de conhecimento do “eu” e do “outro” que vai muito além do que se poderia esperar de uma obra tão… Invulgar, se é que assim poderia descrevê-la.

A relação entre o Homem e a dor é ambivalente e complexa. É também extraordinariamente ambígua, pois todos compreendemos a necessidade da dor (para sabermos que ainda estamos vivos, que conseguimos sentir, que interagimos com o “outro” e muitas outras possibilidades), mas é também algo de que nos tentamos constantemente proteger, evitar a todo o custo, resultando muitas vezes noutros tipos de dor. É impossível escapar à dor, nada mais podemos fazer que aceitá-la, aguentá-la, aprender a viver e lidar com ela.

Aproveitaria aqui para introduzir o conceito de resiliência, que pode ser definido como a nossa capacidade de resistir à pressão de situações adversas, lidar com problemas e superar obstáculos, e relacioná-lo com a dor. É relativamente fácil associar a dor a situações adversas, vê-la como um obstáculo, o que por sua vez nos permite encarar a dor como um problema a ser resolvido, correcto? Então de que forma é que a resiliência nos ajuda a melhor lidar com a dor?

Bem, em todo o ser humano existe uma enorme vontade de vencer, de se afirmar e consolidar a sua posição no Mundo, logo, se virmos a dor como uma manifestação de tensão do ambiente, para lidar com a dor nada mais precisamos do que “tomar uma decisão”, ou seja, não nos permitirmos a derrota, sucumbir a tal adversidade. Resistir à dor pode ser visto como uma espécie de luta de vontades entre o próprio e a adversidade em si mesmo e no meio envolvente, sendo que o treino da força de vontade é fulcral neste cenário.

“Eu não sucumbo à dor, não a deixo incapacitar-me ou reduzir-me. Resisto-lhe, aceitando-a, tornando-a parte de mim a aprendendo com ela”, eis uma posição que todos deveríamos esforçar-nos por adoptar. É uma posição algo estóica, suponho, mas enquanto que o Estoicismo faria por diminuir a dor ou eliminá-la completamente, eu creio que existe maior valor em aceitá-la, da mesma forma que se aceita a causalidade e a ordem das coisas (um aspecto em que o Estoicismo parece falhar, claramente, mas isso são considerações para desenvolver num futuro texto).

A dor pode ser uma experiência traumatizante. Ninguém duvida que nos marca ao longo da vida e pode acabar por definir todo um percurso, mas é também um recurso extraordinário de aprendizagem, virtualmente infinito, do qual apenas podemos tirar proveito quando, em vez de nos fecharmos ao estímulo, abrimo-nos a ele e superamo-lo. Questionem-se quanto à origem de provérbios como “não se aprende com os erros dos outros” e vejam se percebem ou não esta característica largamente ignorada e subvalorizada da dor.

Não custa tentar, a não ser que doa… Será?

(Engraçado, nenhum outro tema me deixou com tanta vontade de continuar a desenvolver como este. Creio que o voltarei a abordar, daqui a muito pouco tempo ^^)

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