domingo, 10 de abril de 2011

A dor e as filosofias de felicidade


Volto a pegar no tema da dor... Porquê? Porque creio ser um dos fenómenos mais fascinantes que é possível um indivíduo experienciar, porque creio que a dor é um dos caminhos para a aprendizagem e o conhecimento e porque creio que há ainda muito a ser dito.

Pegando nalgumas das ideias expressas no meu último texto sobre este tema, foco a relevância de se interiorizar que a dor é das experiências que mais partilhamos com qualquer outro indivíduo, logo devemos fazer por compreendê-la e empatizarmos com quem sofre. É também importante perceber que a dor não é nunca um fenómeno puramente fisiológico ou puramente psicológico, é uma conjunção destes aspectos, com um impacto moral muito próprio, muito pessoal. Tomando ainda em consideração que a própria experiência da dor (como quem diz, o processo de aprendizagem do que é a dor, as formas que assume e como lidar com ela) é grandemente influenciado pelo meio ambiente, é fácil perceber-se como a cultura em que um indivíduo se insere vai afectar a sua relação com este fenómeno e o Mundo.

Mas não vou voltar a abordar estes aspectos, não quero repetir-me (em demasia, eu sei...) e já expus algumas das principais ideias, por isso vamos então fazer uma viagem pela forma como a Filosofia vê o fenómeno da dor, a sua relevância para o indivíduo e as suas relações interpessoais. Tratarei então de abordar as perspectivas do estoicismo, do epicurismo e do hedonismo (os dois últimos são geralmente confundidos, também farei por esclarecer esse mal-entendido).

Começando pelo estoicismo, com o qual mais me identifico, vou indicar algumas das suas principais características: teve origem na Grécia antiga, no século III a.C., foca-se numa ideia de indiferença em relação a tudo o que é externo ao indivíduo, com o objectivo de se alcançar uma relação de profunda comunhão com a razão universal (ou ordem natural das coisas). É fácil então compreender que o estoicismo é tendencialmente imaterialista e vê a causalidade como algo que qualquer indivíduo, através da razão, deve reconhecer e fazer por influenciar o menos possível a realidade à sua volta.

A dor existe para o estoicismo, mas é apenas sinal de que, de alguma forma, o indivíduo não foi capaz de aceitar a realidade como esta se expressa, nem foi capaz de usar a sua razão para melhor fazer uso dos objectos que se encontram à sua disposição, sem se deixar levar por paixões ou apegar a esses mesmos objectos, de forma a alcançar verdadeira liberdade e felicidade.

Ainda anterior ao estoicismo foi o epicurismo (que o influenciou grandemente, ao contrário do que a maioria pensaria), que surgiu no século IV a.C. e foca-se na procura de prazeres modestos (não os prazeres carnais, mais físicos, mas prazeres como a discussão e a busca de conhecimento), com o objectivo de atingir a ataraxia (um supremo estado de tranquilidade), a libertação do medo e a ausência do sofrimento corporal. Estranho quanto possa parecer numa filosofia que declara o prazer como o único valor intrínseco (uma ideia em comum com o hedonismo e que é a principal razão para a maioria das pessoas confundir estas filosofias), um dos aspectos mais importantes na vida de um epicurista passava pela limitação dos desejos... Uma das principais ideias desta filosofia, com a qual me custa a identificar, é a visão da dor como sofrimento corporal, mas tal seria de esperar de um filosofia com foco no empirismo e uma percepção do Mundo física atomista.

A dor existe para o epicurismo, mas ao contrário do estoicismo não é vista como um mero "erro" por parte do indivíduo, por não conseguir seguir certos comportamentos ou mudar a sua forma de ser de modo a aceitar toda a realidade. A dor seria então algo externo e manifestava-se através de estímulos enviados pelo meio envolvente, e com essa ideia sou capaz de me identificar parcialmente.

Resta então abordar o hedonismo, uma doutrina filosófica que afirma que o prazer é o supremo bem da vida humana e, nos tempos modernos, passou a afirmar que o prazer deve ser entendido como a felicidade para o maior número de indivíduos. Enquanto que o epicurismo passa pela aceitação do prazer, o hedonismo passa pela procura activa do prazer, razão pela qual não deveriam ser confundidos. Esta filosofia surgiu pela mesma altura que o epicurismo e diz-nos que o prazer, independentemente da sua origem, tem sempre o mesmo propósito e a mesma qualidade, sendo que o único caminho para a felicidade é a busca do prazer e a diminuição da dor.

"Diminuição da dor", eis uma ideia interessante! A dor não é vista como um erro, tão pouco é uma mera expressão do meio envolvente, mas é considerada um fenómeno presente em todas as coisas, simultaneamente interior e exterior ao indivíduo, que é impossível de eliminar e deverá então ser compreendida e identificada, para que se possa diminuir o seu prejuízo ou dano. Engraçado que eu, não me identificando de todo com o hedonismo, vejo esta "posição" quanto à dor como sendo bem mais consciente e prática.

Introduzindo aqui uma nota pessoal, para que isto se pareça menos com uma aula de História, a minha escolha de uma filosofia de vida veio revelar-se como uma uma conjunção do estoicismo, epicurismo e hedonismo, com mais ênfase no primeiro e ainda umas quantas outras influências do utilitarismo e cinismo (quando falo de cinismo, não falo na sua caracterização moderna, mas na filosofia de desapego aos bens materiais e externos), entre outras. Sou um defensor da causalidade, reconheço uma ordem natural das coisas e faço por segui-la, sou principalmente estóico. Adopto uma posição de plena aceitação da realidade, incluindo as suas manifestações mais dolorosas (e nesse aspecto, difero da maioria das filosofias do bem-estar), pois mesmo dessas experiências desagradáveis consigo retirar conhecimento e daí advém prazer, revelando-se aqui a minha "subtil" influência do epicurismo.

Quanto ao hedonismo, só concordo mesmo com a visão da realidade mais complexa que é a dor, pois não levo uma vida de procura activa de prazer. Não vejo aí um caminho para a felicidade e entristece-me que esta seja, sem sombra de dúvidas, a filosofia de vida mais comum, nos tempos modernos.

High Tier: Estoicismo
Mid Tier: Epicurismo
Low Tier: Hedonismo

Mas cada uma fará as suas decisões. Espero apenas que seja capaz de as questionar frequentemente e compreender as implicações internas, externas, morais, sociais e espirituais da sua escolha, de modo a procurar alcançar o melhor para si mesmo e toda a realidade à sua volta. Com isto me despeço, amanhã haverá mais.

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