sábado, 26 de maio de 2012

In(ter)dependência

Vivemos obcecados com a independência. Desde jovens, tentam incutir-nos essa necessidade de alcançar a nossa independência a todos os níveis, mostrando-nos como o Mundo é difícil e cruel quando não lutamos pelo nosso lugar nele. De facto, o Mundo é um lugar difícil e cruel, mas não por não conseguirmos alcançar a nossa independência, é-o porque estamos obcecados pela ideia de atingir um estado impossível. A independência é um estado impossível, pois nenhum indivíduo consegue sobreviver simplesmente pelos seus próprios meios. O estado de "auto-suficiência" não é aplicável a qualquer entidade, pois estamos sempre dependentes ou de outras entidades ou, simplesmente, do nosso meio envolvente.

Este fascínio ou obsessão pela independência, como se não fosse à partida uma ideia relativamente ridícula, é exacerbado pelas ideologias político-económicas capitalistas, com as suas tendências altamente competitivas e desreguladas, que fazem crer que a procura pelo nosso bem-estar ou felicidade apenas a nós nos afecta, quando tem necessariamente que afectar tudo à nossa volta. Para uns terem mais, outros terão que ter menos, e o equilíbrio elude-nos. Esta tendência (talvez) pouco natural para a competição é geralmente defendida pelas "evidências" do desenvolvimento e progresso, embora nunca tenha ouvido falar de um indivíduo que, singularmente, tenha feito seja o que for pelo Mundo pelos seus próprios meios. Isto pode ser visto de uma forma bastante simples: a independência económica, por exemplo, é impossível, pois embora uma pessoa possa ganhar o suficiente para se sustentar, é dependente dos ganhos que recebe do patronato e este dos frutos do seu trabalho (mesmo um indivíduo que trabalha por conta própria é dependente de fornecedores de todas as espécies, da mesma forma que estes dependem das suas necessidades).

O maior progresso e desenvolvimento que ocorre do Mundo não nasce da competição (embora possa aparentemente nascer de um espírito competitivo), mas de um contexto cooperativo, mesmo que as várias partes envolvidas ignorem as suas relações no processo. Deste modo, verifica-se que embora instintivamente possamos pensar que estamos pré-formatados para a competição (um egoísmo e egocentrismo primário), a verdade é que nada alcançamos sem cooperarmos de forma consciente ou inconsciente com outras entidades.

A independência é impossível, pois logo à partida todo o aspecto competitivo que suporta esse estado é impossível de sustentar. Ser independente é algo semelhante a competir com o Universo para alcançar um pequeno lugar só nosso em que somos o equivalente a Deus, e há alguma entidade (para além de Deus, certamente, haha) que tenha a força (física, emocional, espiritual, económica, política, seja o que for) para lutar contra o Universo? Obviamente, não. Vivemos num estado de interdependência que é praticamente imutável, sendo que o máximo que podemos alterar é a "amplitude" do nosso envolvimento. Quanto mais um indivíduo investe à sua volta, maior o desenvolvimento à sua volta, que por sua vez poderá investir mais nele. Se tentarmos investir puramente em nós mesmos, cedo descobrimos que não temos as forças necessárias para sustentar a multitude de aspectos das nossas vidas a que não conseguimos atender, porque estamos focados noutros aspectos.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Reencontrar-te-ei

Já tive tudo
Não o sabia, na altura... Ou talvez soubesse
Demasiada sorte para acreditar, é assim tão difícil de acreditar?
Tudo de bom, tudo de mau, mas tive tudo
Agora, perto do vazio, apercebo-me do que tive
Do que perdi
Do que talvez tenha perdido?
Não, do que perdi e devo reencontrar
Reencontrar-te-ei

Talvez louco seja por tudo desejar
Mas depois de tudo ter, por menos não me contento
E quem o faria?
É vero, ninguém o faria!
Como pôr em palavras
Tudo o que foi posto em acção?
Hmm, suponho que isso baste
Passei de palavras a acção
Reencontrar-te-ei

terça-feira, 22 de maio de 2012

É preciso ter fé

Da maioria dos sistemas criados pelo Homem (político, económico, social, etc.) diz-se que funcionam à base de confiança. No entanto, isto é uma falácia, uma vez que a confiança pressupõe motivos para tal existir, provas... De facto, deveria dizer-se que estes sistemas funcionam à base de confiança cega ou fé, pois de outra forma nenhuma acção tomaria alguma vez curso, pois estaríamos sempre na dúvida do que o "outro" faria, de modo a agirmos posteriormete de forma concordante (claro que é possível contra-argumentar que existem expectativas, mas estas só podem existir após o primeiro contacto, pois do desconhecido nada se pode conhecer antes).

É preciso ter fé. Essa confiança cega que guia muitos na via espirituo-religiosa é mais fulcral e frequente nas nossas vidas do que estamos muitas vezes dispostos a aceitar, pois quase tudo à nossa volta são meras crenças para as quais fabricamos provas, na esperança de sermos mais conscientes e racionais do que provavelmente alguma vez seremos.

Nunca conheci um indivíduo sem fé em alguma coisa. Não creio que tal seja sequer possível, pois a fé é um dos instinctos mais relevantes que temos. É uma ideia plantada no fundo da nossa mente que nos permite relacionar com o Mundo, que nos assegura a existência do Caos e nos identifica, assim como a quaisquer outras entidades, como forças capazes de transformar esse Caos em Ordem.

A fé permite-nos viver para lá do mero materialismo dicotómico vida/morte, na medida em que nos faz acreditar no desconhecido (tudo aquilo que de alguma forma acabará por influenciar as nossas vidas) que nos alerta para a existência de coisas como a qualidade de vida e o "outro", por exemplo, ainda antes de termos tido qualquer contacto com esses conceitos.

domingo, 20 de maio de 2012

Book update

Devido a uma reestruturação da minha vida (e do meu tempo, obviamente), estou novamente a dedicar-me ao meu livro. Espero ser capaz de o ir avançando razoavelmente ao longo dos próximos meses.

That's about it for now.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Teu...

Tive um sonho
Um sonho teu
Bem, sonho meu
Mas nele entraste, logo é teu

Tive um sonho
Um sonho belo
Embora bela sejas tu
Logo belo o sonho foi

Tive um sonho
Que não era um sonho
Mas nele entraste
Teu, o belo sonho que vivi todos os dias

Teu...

quarta-feira, 9 de maio de 2012

O senão da hierarquização moral

Vivemos num Mundo materialista. Não é tanto uma crítica quanto um desabafo, vivemos num Mundo materialista. Temos uma tendência para organizar, quantificar e relativizar tudo, pois de outro forma somos incapazes de lidar com a realidade, mas até que ponto não serão essas ideias e comportamentos que nos impedem de melhor nos adaptarmos a essa realidade?

Na Ética, como em muitas outras disciplinas do conhecimento, existe uma ordem das coisas, uma hierarquia. Essa ordem existe como uma "muleta", para todos os efeitos, uma vez que sem hierarquização moral, a maioria das respostas a estímulos poderiam ser incorrectas, despropositadas, desproporcionais, etc., mas não consigo deixar de pensar que essa mesma hierarquização permite que certos comportamentos continuem a existir, em vez de serem extintos. É uma realidade algo difícil de aceitar, mas a verdade é que embora a sociedade tenda a criar todo um sistema jurídico baseado, em certa medida, num código moral, ainda assim em muitas ocasiões o castigo por uma acção não é concordante com a gravidade da mesma, pelo que não se consegue erradicar um comportamento indesejável. Mas isto é mais ligado ao aspecto de legalidade, enquanto que eu considero mais relevante o aspecto de moralidade...

Quando face a um dilema moral, a hierarquização moral leva-nos a "decidir" que acções são melhores/piores que outras (são considerados aspectos como o contexto, intervenientes, historial, atenuantes, etc.), no entanto isto pode ser "mal" usado para relativizar coisas que o não deviam ser. Basta pensarmos em todas as situações de "os fins justificam os meios", para vermos como uma má acção pode ser atenuada ou mesmo justificada pelo objectivo final da mesma. Roubar para salvar alguém, matar para viver, enganar para não magoar, etc., todas estas acções podem ser vistas como justificáveis, na maioria das sociedades, mas poderá ser negado que todas essas acções são incorrectas? Se formos capazes de ignorar o contexto, compreedemos que são acções claramente erradas, mas ao justificar estas acções consoante o contexto, estamos a fazer com que estas nunca deixem de ocorrer, uma vez que as aceitamos com determinadas condições.

Quer queiramos quer não, a mesma hierarquização moral que nos possibilita comparar acções, é também a que permite a existência de certas acções que deveriam ser progressivamente erradicadas das nossas sociedades. Este facto é inegável, pois quando a punição por uma má acção não tem sequer um efeito dissuasor, então essa punição é inútil, logo o comportamento não é eliminado. Obviamente, isto significa que para eliminar certos comportamentos, teríamos meramente que aumentar o nível da punição... Mas há um grande senão: como todas as acções têm o seu lugar na hierarquização moral, se se aumentar a punição de uma acção, tendo o seu "mal" permanecido inalterado comparativamente às outras acções, teria que se aumentar a punição para todas as acções. Isto levaria a um efeito "bola de neve" que levaria a que todas as acções erradas sofressem punições elevadíssimas, a dada altura desproporcionais.

Mas, sendo perfeitamente honestos, haverá sequer hipótese de eliminar comportamentos incorrectos sem uma punição de tal forma drástica que impeça futuras manifestações? É este o grave problema da hierarquização moral... A Ética que deveria esforçar-se por eliminar relativizações na busca da verdade, acaba por introduzi-las com este sistema, e somos incapazes de fazer algo quanto a isso, pois todas as outras possíveis soluções são vistas como desumanas. E talvez até o sejam, mas acabo por simpatizar com elas, porque após ver todas as coisas de que o Homem é capaz, creio que a tentativa de erradicar tudo o que é indesejável não é algo tão desumano quanto parece, sendo uma mera tentativa de atingir perfeição.

A minha sugestão, com todos os seus prós e contras, seria o da abolição de qualquer espécie de hierarquização moral. Uma punição para qualquer má acção. Um sistema brutal, sem compaixão, sem contexto, sem atenuantes. Apenas um caminho, um objectivo: eliminar a "raiz do mal" no Homem. Cuidado que essa punição não tem que ser morte nem nada que se pareça, mas algo que permita construir-se sobre aquilo que foi destruído por qualquer acção, com a diferença relativamente ao sistema actual em que a punição seria sempre a mesma e colocada a um patamar tão alto que acabaria por eliminar quaisquer vontades de voltar a agir incorrectamente (terapia de choque, de certa forma).

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Um tributo

Um tributo às lágrimas que ficaram por derramar
Palavras que ficaram por dizer
E porque não?
Um tributo às acções que não foram tomadas
Os arrependimentos de uma vida inteira
Um tributo a toda a não-vida que, de alguma forma
Não tanto de alguma, como de qualquer forma
Nos marca mais que toda a vida

Verdadeiramente, um tributo à mágoa
Pois quando tudo o resto falha
A motivação nasce da vontade de fazer mais, dizer mais
Ser mais

E o pior dos infernos nasce quando, ao morrermos, a pessoa que fomos
Encontra a pessoa que podíamos ter sido
E quem podemos ainda ser merece, sem qualquer dúvida
Um tributo

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Estou aqui

Estou aqui
Já houve momentos em que não estive
Mesmo enquanto estava

Estou aqui
Também já estive noutros locais
Mas nunca deixei de aqui estar

Estou aqui
E estarei sempre, venha o que vier
Não apenas porque devo estar
Quero estar

Estou aqui

terça-feira, 1 de maio de 2012

A depressão e tu (eu)

O início deste post, escapa um pouco ao título, mas está relacionado com este. Começarei por abordar a natureza dos estímulos e a nossa resposta a estes e depois então tratarei de ligar este sub-tema à sua relação com a psicopatologia da depressão.

Ao contrário daquilo que nos é ensinado desde jovens, a maioria dos estímulos exteriores não têm valência, ou seja, não são positivos nem negativos, uma vez que são extraordinariamente influenciados por todo o contexto associado a estes estímulos. Tendo isto em consideração, então o próximo passo é lógico: as respostas aos estímulos são dotadas de valência. Poderá parecer-vos que isto é algo irrelevante, mas longe disto, pois é nestes cânones que se esconde o segredo da subjectividade. A objectividade existe, encontra-se a toda a nossa volta, mas as nossas mentes pequenas e fechadas nestes corpos têm pouca capacidade para interpretá-los de uma forma que não seja subjectiva, daí que exactamente o mesmo estímulo aplicado a diferentes indivíduos obtenha respostas completamente diferentes (poderemos argumentar que a amplitude destas respostas obedecerá a parâmetros razoavelmente simples de descortinar, mas ainda assim existe um nível de subjectividade a todas as respostas a um estímulo que dificilmente alguma vez será totalmente compreendido, dada a complexidade de todas as variáveis que contribuem para a obtenção das respostas).

Embora me tenha dado ao trabalho de clarificar este assunto, por uma questão de facilidade (preguiça, quiçá), para o intuito de relacionar este sub-tema com a depressão, irei referir-me a estímulos positivos e negativos (não se esqueçam que o que conta é a resposta). O nosso dia-a-dia "obriga-nos" a interagir com o meio-ambiente e a nossa própria mente, de tal forma que nos encontramos constantemente bombardeados por estímulos positivos e negativos. A frequência e força de cada um destes estímulos ditará a forma como a nossa mente alcança aquelas pequenas conclusões como "este dia correu bem", "aquela experiência correu mal", etc., mas como estes estímulos têm um efeito a médio e longo prazo, não apenas a curto prazo, devemos considerar que o impacto de qualquer estímulo influenciará o resto das nossas vidas a partir do momento em que foi percebido (isto é claramente compreendido através das nossas memórias, que nos relembram de prazer, dor e muitas outras sensações, mesmo volvidos anos após o estímulo inicial).

Guardei no entanto uma pequena surpresa, que poderão aceitar ou não, mas não deixa de ser verdade: não é apenas a interiorização de demasiados estímulos negativos que tem um efeito avassalador, mas também a interiorização de demasiados estímulos positivos. Isto ocorre por uma razão muito simples e que antes referi, que é o aspecto pequeno, finito, das nossas mentes, que não consegue lidar com excesso de "informação", independentemente da sua forma ou valência. Geralmente, lidamos melhor com uma mistura de estímulos positivos e negativos, que apenas de um destes tipos. Como é óbvio, há uma diferença entre a valência dos estímulos (do excesso de um tipo de estímulo, para a ideia que pretendo demonstrar) que é a resposta dada a cada um deles. Um estímulo positivo obterá geralmente uma resposta de prazer (felicidade, chamem-lhe o que desejarem), enquanto que um estímulo negativo obterá geralmente uma resposta de desprazer ou dor. Expresso então a diferença notável entre ambos: enquanto que a interiorização de demasiados estímulos positivos, mesmo sendo avassaladora, nunca influenciará o indivíduo no sentido de desejar a extinção destes estímulos (uma vez que obtém prazer destes), mas apenas influenciará no sentido de obter um certo nível de mitigação, uma redução para parâmetros suportáveis, o mesmo não se passa com a interiorização de demasiados estímulos negativos. A interiorização de demasiados estímulos negativos pode levar o indivíduo a crer que não vale a pena sentir quaisquer estímulos, uma vez que não retira prazer destes. Deste modo, a mitigação ou redução poderá ser entendida como insuficiente para regularizar a resposta aos estímulos (uma vez que estes esgotaram a resiliência do indivíduo), levando-o a ansiar pela extinção de todo e qualquer estímulo. Posto de uma forma demasiado simples, a "felicidade" (resposta a estímulos positivos) por si só pode flutuar entre diversos níveis sem ser percebida como meramente prejudicial, enquanto que a "tristeza" (resposta a estímulos negativos) tenderá naturalmente para a indiferença, a longo prazo. O mesmo é frequente noutras dicotomias de valências opostas - os valores positivos transformam-se, os valores negativos extinguem-se.

Devemos ter ainda em conta que a extinção de um estímulo negativo não acarreta o aparecimento de um estímulo positivo (e vice-versa), pelo que uma abordagem de mera extinção de estímulos negativos num indivíduo deprimido poderá apenas direccioná-lo para a indiferença, da qual surge a estagnação e a morte. Creio ser esta a principal razão pela qual é difícil tratar uma depressão: não nos devemos focar apenas na extinção de estímulos negativos, se não temos a capacidade para "injectá-lo" com estímulos positivos.

Se se sentirem em baixo, procurem ajuda, mas tenham sempre em conta que as vossas mentes encontram-se mais preparadas para lidar com os vossos problemas do que qualquer mente exterior a vós. Procurem ajuda, mas guiem-se no sentido de obterem esses tais estímulos positivos que são cruciais para alcançar-se o equilíbrio a que chamamos saúde.