domingo, 23 de janeiro de 2011

Saúde, obesidade e o "belo"


Não tinha a certeza de que tema abordaria hoje, acabou por ser o mero acaso a definir o rumo, pois enquanto me perguntava quão saudável seria estar a pé às 4.30 da manhã, a escrever, eis que surgiu um tema relevante: saúde. Ocorreu-me também pensar na obesidade e naquilo que definimos e identifcamos como "belo".

Neste pequeno texto, tratarei de relacionar algumas ideias, cismar um pouco sobre o que é, realmente, saudável e não só. Colocar umas questões, porque não?

Para começar, e é especialmente importante quando se aborda este tema, a saúde é mais que mero bem-estar físico, pois é também bem-estar mental e social, não apenas a ausência de patologias, doenças.
Foco também outro aspecto relevante, que é a desconsideração aberrante que continua a notar-se na forma como a sociedade encara indivíduos que afirmam não se encontrar em bem-estar mental e social (especialmente, o social, que é visto como mero desejo de status quo, quando pode ir muito mais além dessa ideia).

A cultura ocidental, na sua abordagem às questões da saúde, comete um erro terrível, que é o da separação e compartimentação. Tratarei de me explicitar melhor através de pequenos exemplos:
1) Um indivíduo com um membro fracturado será dirigido a um médico para tratamento da sua maleita;
2) Um indivíduo a sofrer de uma depressão será dirigido a um psicólogo;
3) Um indivíduo jovem que não se sente inserido num grupo poderá ser dirigido a um centro juvenil para conviver com outros jovens.


Isto são apenas exemplos muito simples, que não necessitam de ocorrer desta forma, mas que servem para demonstrar a separação que é feita em termos dos vários tipos de trauma que um indivíduo possa sofrer, mas, olhando para o que escrevi, apercebo-me que há uma falha não tão subtil e não tão insignificante que, ainda assim, permanece ignorada pela sociedade, na maioria das situações. Analisemos as possíveis questões:
Um indivíduo com um membro fracturado não se sente também fragilizado mentalmente? O seu ser viu-se alvo de um trauma, provavelmente inesperado, que colocou em causa aquilo que é a sua integridade (não meramente física), assim como a sua capacidade de levar uma vida normal. Poderá também ter perdido a capacidade de exercer as suas funções no emprego e poderá ser dispensado e marginalizado. Porque é, então, que a resolução do trauma físico (que não é apenas físico) obteve como resposta da sociedade o mero tratamento da sua condição física?
Existem outras dimensões ao trauma sofrido que, para todos os efeitos, serão ignoradas até esses traumas se começarem a manifestar de formas óbvias e, possivelmente, num estado que já não permita a sua rápida e eficiente cura.

Aqui se encontra um problema real, aqui vemos a forma como a cura é mais que a resolução de um trauma. A cura, aos olhos da sociedade, é meramente o necessário à manutenção da capacidade que um indivíduo tem de exercer trabalho social, até este se tornar obsoleto e poder ser removido, dispensado, eliminado. Verão tão claramente como eu que isto é uma desumanização do indivíduo e não deveria ocorrer, sendo no entanto tão frequente e muitos tenhamos já sentido na pele o erro dessa abordagem materialista e mecanicista da mera resolução dos nossos traumas, não a sua cura.

Não somos curados dos nossos males, somos meramente resolvidos... “Resolvido”, eis algo que nunca esperaria sentir associado à minha consciência de indivíduo, apercebendo-me, no entanto, que fui sempre resolvido, nunca curado.

Deveria haver uma mudança nesta abordagem, que permitisse a cura dos traumas que um indivíduo sofre. Seria possível juntar as funções de um médico, psicólogo e assitente social, por exemplo? Não tenho dúvidas que a complexidade de semelhante ideia torna-a quase impracticável, mas ainda assim gostaria de ver este problema, pelo menos, exposto e analisado. Pode ser que haja uma qualquer forma de lidar com este problema que seja mais correcta e eficiente que a actual.

Pegando ainda no tema da saúde, porque não abordar a questão da obesidade? Este é um problema que tem vindo a crescer e atormenta a sociedade, sendo que esta, ao mesmo tempo que o produz, procura a sua resolução... Um problema... Problema?

Quão estranha esta nossa tendência de definir o que é normal e não é, o que é saudável e não é. Pergunto-me: terá a obesidade que ser vista como algo não saudável? Peço-vos que olhem não pelos vossos olhos e da sociedade, mas pelos de um indivíduo obeso.
Sendo obesos, confortáveis com o vosso peso, não sentido de forma relevante qualquer tipo de desconforto ou dor, não padecendo de qualquer doença incapacitante, há razões para assumir que não são saudáveis?
Vou mais longe e complico um pouco: obesos, confortáveis com o vosso peso, com alguma dificuldade de movimentos, cansaço, diabetes e maior probabilidade de ocorrência de um enfarte, terão razões para assumir que não são saudáveis?

Devemos lembrar-nos que a saúde engloba muitos aspectos diferente. Porque não poderia ser esse indivíduo obeso, apesar dos seus problemas físicos, considerado saudável se se encontra bem inserido na sociedade, não se sente marginalizado e não tem quaisquer problemas com o seu peso e aspecto? Porque é que havemos de pensar que não é saudável?
É talvez mais saudável que o que tem uma ligeira fobia e não a procura tratar ou que o que, não conseguido ver-se inserido num grupo que gostaria, diz a si mesmo que “não há problema”.

Eu diria que um indivíduo só não se encontra verdadeiramente saudável quando perde a sua capacidade de se aceitar com plena integridade física, mental e social, demonstrando aqui a minha tendência de colocar a mente como soberana do indivíduo, sem sombra de dúvidas.

Isto daria ainda a possibilidade de se seguir por outros caminhos como o do conceito de “belo”... Na sociedade ocidental, a ideia de “belo” está associada à de magreza. Não uma magreza anorética/bulímica, mas ainda assim de magreza, de “peso normal”, sendo que a obesidade passa logo a ser alvo de uma visão que identifica algo que não está certo, que não pode nem deve ser considerado perfeito, logo, possivelmente, se não mesmo provavelmente, doente.

Perguntem-se se são realmente saudáveis. Força, perguntem-se se o são e comecem a aperceber-se que têm mais problemas e traumas do que pensavam ou, também possível, julgavam ter mais problemas e traumas, pois regem-se pelas ideias e padrões da sociedade, tento perdido a vossa unicidade como indivíduos.

Não estou saudável, nunca estive e nunca estarei e, da mesma forma, afirmo estar saudável, pois a minha mente assim o expõe.
Será algum de nós realmente saudável? Talvez não.
Será algum de nós realmente não-saudável? Talvez não.
Porque terá que ser o saudável normal? Quem ou o que é que define a normalidade? (A sociedade, claro) Porque é que nos havemos de reger por estas ideias? Custa assim tanto viver apenas?

Porque será que continuamos a focar-nos tanto nesses pontos? Procuramos resoluções, quando devíamos procurar cura e, mesmo quando a procuramos, o mais provável é não a obtermos. Não conseguimos compreender plenamente todas as dimensões do estado de saúde, mas ainda assim não deixamos de fazer os mais diversos juízos quanto à mesma.

Estas questões são tão relativas, tão ambíguas e paradoxais, que não é possível tirar qualquer tipo de conclusão... E não conseguimos deixar de pensar nelas, enquanto as tentamos... Resolver.