terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Cansaço

Peço desculpa por não escrever nada, há uns tempos... Tenho-me sentido algo cansado. Escrevi uma pequena história. Uma história de cansaço, uma história que é cansaço. Nem sabia se a conseguiria partilhar, mas parece que acabei por fazê-lo, foi-me dada, incondicionalmente, alguma força...

Apresento primeiro uma dedicatória: Pela tua extraordinária influência, por esse simples aceitar do meu dar, por esse amor que é sentido e não é, por todas estas coisas e mais, agradeço-te e, agora, dedico-te uma narrativa que é tão “minha” quanto “tua”. Admitiste ter sido influenciada por mim, de alguma forma, pois eu, neste pequeno texto, demonstro a tua quintessencial influência...

Estou cansado.

Meu Deus, à medida que o escrevo, atinge-me: eu não estou cansado. Eu sou cansaço, sou uma pilha inconsistente de tentativa, de falhas, de inconclusões e pequenez... As certezas que tenho são poucas, as poucas que tenho não são aceites. Cansado, tão cansado. Só desejava ser aceite, agora receio estar a ficar demasiado cansado para ser.

Cansado de pensar, de tentar racionalizar, de sentir, de tocar, de ver, cansado de mim e dos outros... Cansado, terminalmente cansado. Essência do cansaço, em forma humana... Demasiado cansado para sofrer com tal, demasiado cansado para gritar, demasiado cansado para chorar, demasiado cansado para me expressar. Sou o cansaço abjeto. Sou o “tudo” que, em sonhos, belos, magníficos e grandiosos sonhos, deseja ser “nada”.

Estou cansado de ser, cansado de dar, cansado de... Não receber. Ah, aí está, aí se encontra, talvez, o cerne da questão, estou cansado de ter apenas o que o Universo me “empresta”, pois mais nenhum ser me dá, incondicionalmente, como eu dou. Ou darão e eu não o percepciono? Estou cansado de tentar perceber, digam-mo apenas, não me peçam para entender, não me peçam para o descodificar, digam-me! Estou cansado de viver, cansado de existir. Isto é demasiado igual, demasiado diferente do que deveria ser...

Digam-me: “Tolo, quem te disse que devias ir mais longe? Que devias tentar ver e ouvir? Que devias tentar ser uno com o “outro”? És insignificante, estás exausto, a tua existência mal se sustém por si mesma, estás cansado, apoias-te injustamente nos outros... Enquanto tentas alcançar a Ética, esta escorre entre os teus dedos, estás cansado demais para lutar contra um Mundo perfeito que vês como imperfeito, que desejas mudar, mas não tens forças.”. Digam-me.

Choro. Afinal, ainda não sou apenas cansaço, sou um pouco mais... Ligeiramente mais, infimamente mais, mas sou.

Procurei mostrar um Mundo diferente, um Mundo que percepcionei. Disse-te: “Vê, este Mundo é meu, é também teu, é nosso.”. Viste-o, olhaste-me e disseste: “Esse Mundo não é meu, não é teu, não é nosso. Esse Mundo, simplesmente, não é e nunca foi.”, apontaste para outro Mundo e disseste: “Abre os olhos, este é o Mundo real, afasta-te dessas ilusões, não poderás ter o que desejas, não o mereces. Não dás incondicionalmente, és demasiado simples, duvido de todas as tuas acções, todas as palavras, todos os pensamentos. O que sentes é falso, o que pensas é falso. Este é o Mundo real.”.

Sim, esse teu Mundo é real, admito-o, mas porque não é o meu também? Ah, porque estou cansado de ser esse Mundo. O teu Mundo é tão mais palpável e real que o meu, que o meu, simplesmente, não pode ser. Resigno-me, estou cansado de lutar. Espero, estou cansado de tentar alcançar o “outro”. Mas, estou também cansado de esperar.

Mas, espero. Mais uma vez se revela que eu sou um pouco mais que cansaço, existe algo mais que o “eu” cansado. Esperarei sempre, até o meu Mundo ser tão real quanto o teu. Nesse dia, o Mundo será nosso. Mas não to direi, terias que o descobrir por ti mesma.

Quis mostrar-te vida, não quiseste vê-la e afastaste-te. Retrocedeste, momentos depois, e disseste: “Mostra-me a vida.”, talvez louco, cansado de pensar, disse: “Mas, eu quis mostrar-te vida, porque não o aceitaste?”. A resposta veio tão bruta e tormentosa quanto uma tempestade, tão simples e sincera quanto uma gota de água: “Não era vida que me querias mostrar, mas existência. Não desejo tal, guarda a tentativa de existir para outros. Quero apenas viver, não desejo tornar-me pequena e cansada como tu, ser que tenta existir para além de viver... Digo tentar, pois será sempre isso que farás! Tenta e falha, cansa-te de não conseguir e depois, resigna-te, vive.”.

Poderia tê-lo feito? Sim, mas, não fiz. Não me resignei plenamente, permanece algo mais, um pouco mais, infimamente mais, que o cansaço.

Não, não o farei. Abdiquei do meu Mundo, visto não ser “real”, não resignarei à existência que desejo e mereço! Dir-me-ás que a não mereço, mas não ouvirei. Desejo-a, logo mereço-a. Pois eu sou o ser consciente do seu ponto no Universo, sou o ser que espreita a “ordem das coisas”, sem entender, mas vê algo mais. Sou o ser que deseja apenas o que merece, por isso, quando disseres que devo também abdicar da existência, direi: “Não, não abdico da existência, embora abdicasse da vida para ta dar. Se não a posso obter para mim, pois, como dizes, sou pequeno e cansado, ainda assim lutaria para dar-ta. Nega o que te dou, não negarás o meu querer dar!”...

Ah, tão cansado, fatidicamente cansado, abjetamente cansado. Cansado de estar cansado, cansado de ser cansaço.

Prossigo e questiono: “Pretendes eliminar-me, extinguir-me? O meu ser é pequeno e cansado, porque farias tal coisa? Receias-me? Loucura, nada mais desejo que dar, sentir, tocar, amar, nada peço em troca... Ah, receias-me... Receias tornar-te o que sou, pois sou diferente, sou mais e sou menos, sou diferente. Não vês que somos iguais? Tu não és o “outro”, nem eu o sou! Somos “eu”... Não, somos “nós”. Foges de mim, afastas-te, não vês que não tenho as forças para te seguir? Não fujas, volta para mim! Estou tão cansado.”, afastaste-te, mas não fugiste... Agora, observas-me da orla, do limiar. Desse limiar que eu, insano, cansado de ser o que era, atravessei.

A tua curiosidade enfrenta o receio. Nenhum venceu ainda, creio. Observas-me do limiar... Pareço-te tão real quanto o reflexo num espelho, o real que é “ilusão”, mas essa ilusão também é e vê-lo-ás antes do fim, se não, vê-lo-ás após. Vê-lo-ás.

Agora, apercebes-te, também tu te encontras cansada. Não sabes dizer de quê, mas sabes que estás... Prossegues nesta vida bela e aterradora, simples e de pormenores impossíveis de descrever, mas estás cansada de algo. Dir-te-ia o que é esse cansaço, mas não o aceitarias. Mostrar-to-ia, mas negarias a visão e mover-te-ias às apalpadelas a tentar ver algo que, se calhar, nunca lá esteve. Gritarias alto: “Mundo, onde estás? Para onde foste? Vi-te sempre, eras real, agora mal te consigo tocar, porque te afastas de mim, em mim? És real, sei-o, não aceitei nunca a ilusão! És real, Mundo, és real...”, quebras... Murmuras: “Eras, eras... Real? Poderei ter aceite uma ilusão que era menos que isso?”.

Não quebres, nem chores, não aceites o que te quis mostrar... Estou, talvez, demasiado cansado para te consolar. Estou, talvez, demasiado cansado para te transmitir força. Estou, talvez, demasiado cansado de confiar no Universo, demasiado cansado de acreditar e receio perder-te, embora nunca tenhas sido minha, nem nunca o pudesses ser, pois ninguém é de ninguém. E estou do outro lado do limiar, não posso voltar a esse lado, mesmo que o cansaço se levantasse e mo permitisse...

Agora, algum cansaço desvanece, grito: “Foge! Afasta-te de mim! Quis dar-te vida, mas viste para além da minha própria cegueira, viste existência, afasta-te! Não sei se estás preparada, não sei se alguma vez o estarás, some-te! Antes perder-me que perder-te, este Mundo prosseguirá sem mim! Corre, não tentes olhar, não tentes ver, coloca um pé à frente do outro e corre! Foge, já disse, FOGE!”... FOGE!

Demasiado cansado para ver se o fizeste, desfaleço, o corpo e a mente há muito “pereceram”, a alma começa a apagar-se... Desvanecerei?

Choro, penso: “Ainda cá estou, cansado, perto de um fim que veio agarrado a um início, impossível de descrever, mas ainda cá estou.”. Agora, estou cego, cansado de olhar. Pode ser que, embora cego, ainda possa ver, mas, neste momento, estou cansado de tentar. Cansei-me de estar cansado, quero não estar, quero não ser, por uns momentos...
Dá-me só uns momentos, por favor? Dar-me-ás isso? Preciso de uns momentos, mas estou cansado de os pedir, quero apenas tê-los. Quero sentir uns momentos, quero tocar uns momentos, quero pensar que, por uns momentos, nada mais sou que Momento.

Se deres, incondicionalmente, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se não mo deres, mas ainda assim permaneceres nesta vida, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se ficares, ficar-te-ei eternamente agradecido.

Se partires, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se sorrires, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se chorares, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se desejares algo que mereças, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se mereces algo, mas não o desejares, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se desejares algo e, embora o mereças, tenhas receio de o procurar, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se o procurares, ahhh, ficar-te-ei eternamente agradecido. Deveras.

Se quiseres existir, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se o conseguires, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se, pelo menos, tentares, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se enfrentares o Mundo, ficar-te-ei eternamente agradecido.

Se aceitares o Mundo, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se fores o Mundo, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se fores “eu”, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se fores mais, ficar-te-ei eternamente agradecido.

Se nada fores, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se fores Deus, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se pereceres, mas prosseguires, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se fores corpo, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se fores mente, ficar-te-ei eternamente agradecido. Se fores alma, ficar-te-ei eternamente agradecido.

Se fores unidade, se fores universalidade, se fores certeza e absoluto, se fores verdade e fores pureza, se fores sentir, se fores pensar, se fores raciocinar e fores instinto, se fores o que és, se fores o que não és, se fores individualidade e colectividade, se fores “nada” e fores “tudo”, se fores tudo o que a imaginação alcança, se fores Cosmos e Paraíso, se fores o oposto de algo, se fores esse “algo”, se fores agradecimento... Divago, se fores, simplesmente, ficar-te-ei eternamente agradecido.

Por ter sido um pouco mais que cansaço, por me teres feito e tornado um pouco mais que cansaço, ficar-te-ei eternamente agradecido.

E agora, estou cansado. Despeço-me, não sei quando, ou se, voltarei. Estou tão cansado, que incoerente, ambíguo, verdadeiro e absoluto cansaço, aço, aço, aço, aço, aço, aço... Cansaço de ser cansaço.

3 comentários:

  1. Certamente, cada um tem direito às suas opiniões, tenho pena que não retirem prazer daquilo que lêem, mas aceito tudo da mesma forma.

    Gostaria, ao menos, que se fizesse um esforço por manter um certo nível e não se começar com ataques pessoais. As ideias discutem-se, as pessoas não.

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