sábado, 5 de fevereiro de 2011

O processo eleitoral e a abstenção: manutenção do sistema político vigente


Estava, há demasiado tempo, para escrever um pequeno texto sobre o processo eleitoral. Vem, obviamente, a propósito das recentes eleições para a Presidência da República, mas não venho expressar a minha opinião nesse tema em particular. Trago nada mais que uma breves considerações e ideias quanto ao significado da acção de cada cidadão, neste processo das eleições presidenciais, legislativas, legislativas regionais e autárquicas.

Moving along, no caso específico das democracias em que as eleições ocorrem de forma indirecta, ditas representativas, existe pouca elasticidade no sistema e são necessárias situações drásticas para alterações repentinas ao mesmo, o que nos leva a um problema preocupante: as maiorias.
Há um motivo para se chamar à Democracia a “tirania da maioria”, que passa por essa capacidade que os mais variados cargos políticos têm de fazer a manutenção de um sistema imperfeito, normalmente resguardados por regras rígidas e inflexíveis, características das democracias representativas.

Ora, tendo esta breve ideia em consideração, vou agora abordar as várias acções que um indivíduo pode tomar, relativamente ao processo eleitoral, e as formas como estas podem impactar o sistema político em que estão inseridos.

Para começar, um indivíduo pode escolher votar. Esse voto pode assumir 4 formas (embora, quer por significação, quer por tratamento de dados, se considerem apenas 3):
O voto na candidatura que desempenha actualmente o cargo;
O voto numa outra candidatura, para assumir determinado cargo político;
O voto em branco e o voto nulo.

Quanto à primeira possibilidade, é bastante simples, representa um apoio ao sistema político actual, assim como à entidade que desempenha o cargo político até esse momento. É a forma de apoio mais completa à manutenção do sistema político vigente.

Quanto à segunda possibilidade, existe o apoio do sistema político actual, embora se considere que determinado cargo não está a ser “aproveitado” devidamente, como tal, é pretendida a eleição de uma nova candidatura, que possa trazer maior proveito e mais beneficie a sociedade, de um modo geral. É também uma forma de manutenção do sistema bem definida e que não deixa grande espaço para considerações quanto à satisfação que o indivíduo tem (de cariz político, claro).

Quanto à terceira possibilidade, e embora o tratamento de ambos os tipos de voto sejam iguais, farei pequenas distinções.
O voto em branco demonstra claramente que um indivíduo não se encontra satisfeito com nenhuma das candidaturas a um cargo político. Existe a ideia de que o sistema funciona e deve ser mantido, mas não parece haver nenhuma entidade capaz das posições e decisões consideradas necessárias para o desempenho do cargo político em questão.
O voto nulo é uma espécie de suave rebelião ou “prank” que o indivíduo toma a liberdade de considerar, pois a manutenção do sistema político actual é considerada com algo de necessário ou, pelo menos, de menor relevância e existe uma clara vontade de transmissão de insatisfação (ou incerteza na escolha) das características que as várias candidaturas apresentam nas suas campanhas que as impulsionam a determinado cargo.
Sem concordar, reconheço, o impacto no sistema é o mesmo. Apoio e manutenção, com pouca consideração pelos candidatos.

Ah, mas falta aqui um tipo de voto que é bastante importante, esse sim com um aparente impacto relevante no sistema político vigente (embora, talvez, não da forma esperada). Esse voto é o não-voto, a abstenção. A decisão que um indivíduo toma de não participar de nenhuma forma “frontal” (uso este termo, da mesma forma que nos poderíamos referir a uma montra como a principal faceta de uma loja, sem no entanto ser apenas o que esta engloba) na vida política. A abstenção é vista normalmente como uma posição defendida por anarquistas, embora eu não concorde com semelhante ideia, vejo mais como uma insatisfação tão grande com o sistema político, que a ideia de contribuir de alguma forma para a sua manutenção parece quase repulsiva. Sem qualquer dúvida, é a posição mais radical que um indivíduo pode tomar.

Não posso deixar de referir que isto são meras linhas gerais do significado que cada possível acção de um indivíduo tem, relativamente ao processo eleitoral, e não foquei ainda particularmente o impacto que cada tipo de voto tem na manutenção do sistema político vigente. Tentarei agora desenvolver esse aspecto.

O voto representa apoio, de uma forma geral, embora este possa surgir das mais variadas formas e tomar as mais variadas facetas, é uma declaração de que, no fundo, as coisas não são assim tão más e, não havendo melhores situações à vista, deve apoiar-se o sistema actual, participar neste e assegurar que a vida segue o seu rumo de uma forma algo calma e serena. Sacrifica-se o desenvolvimento pela estabilidade, sendo que este balanço económico da vida está presente em todas as nossas acções, a todo o momento, e é a posição adoptada pela maioria dos indivíduos, na maioria dos casos.

A abstenção é uma forma de combate +/- activo a um sistema político imperfeito (como nunca pode deixar de o ser), é uma posição rebelde de um indivíduo que deseja o fim definitivo do sistema actual, quer tenha em mente a implantação de um mais adequado, quer deseje arriscar-se numa filosofia de vida anárquica que é impossível nos nossos tempos (e talvez até ao último suspiro da espécie humana) e traz apenas a desordem e o caos.
Há, no entanto, aquilo que eu encaro como um pequeno problema nesta posição política, uma espécie de “espinho” que não me permitiria adoptar a abstenção como a acção a tomar para o fim do sistema político vigente.

A abstenção vem contribuir para a manutenção do sistema.
Sim, sei que estou a contradizer-me, peço apenas que tomem uns momentos para considerar as ideias que vou desenvolver. Qualquer sistema, quer seja mais ou menos perfeito, procura a sua propagação e manutenção, da mesma forma que qualquer organismo deseja sustentar-se e viver, também o sistema político encontrou uma forma, através do processo eleitoral, de se alimentar dos que o não sustentam.

Pensem, por breves momentos, no seguinte: todo o voto é contabilizado e a abstenção é geralmente ignorada. Numa situação em que 100% da população votasse (imaginem que todas as pessoas que teriam tomado a posição da abstenção, decidem-se pelo voto em branco ou nulo) e verificássemos que um candidato tinha 5% dos votos, outro 15% e outro 30% (sendo que o voto em branco ou nulo representava 50%), não existiria nenhuma maioria. Isto coloca a democracia em “cheque”, existe maior controlo da vida política por parte de todos os cidadãos e o candidato vencedor nunca poderia tomar as posições que bem entendesse, devido à necessidade constante de apoio que se traduzisse em “maioria” fictícia.
Agora, imaginem a mesma situação em que apenas 50% da população votou, os outros 50% abstiveram-se. Um candidato obteve 10% dos votos, outro 30% e outro 60%, temos aqui presente uma maioria e, poderão não concordar, mas é a verdade, em democracias representativas, não há nada mais corrupto e perigoso que uma maioria, pois todas as decisões passam unicamente pela entidade que desempenha determinado cargo político (isto aplica-se a Portugal, se fôssemos a ver os E.U.A. era uma história diferente, por exemplo).

A ambiguidade e contradição são rainhas neste pequeno texto. As coisas não são tão simples, nem devem ser abordadas de forma tão leviana como acontece, constantemente. O apoio ao sistema pode, na realidade, trazer mudança, da mesma forma que uma posição contrastante pode nada mais fazer que deixar tudo na mesma.

A democracia é um sistema político com falhas. Aquilo que é bom para a maioria, não é bom para todos. O processo democrático sofre terrivelmente em todas as situações de maioria que ocorrem aquando de eleições. Em toda a acção e inacção, ocorre a manutenção do sistema, ao contrário do que veríamos inicialmente e isso entristece-me, pois parece que o poder político se encontra extraordinariamente minado em todo o indivíduo.

Não considerei em todas estas ideias a possibilidade de um indivíduo não poder votar por se encontrar no estrangeiro, doente ou simplesmente não ter qualquer interesse pelo sistema político do seu país. Existe uma míriade de possibilidades que interferem com o processo eleitoral, mas todas elas, de uma forma ou doutra, contribuem para que as coisas continuem exactamente da mesma forma.

The more things change, the more they stay the same.

Eu votei nesta eleições presidenciais. Não declararei de que forma, mas votei. Acredito que o sistema tem falhas, mas que apenas pode ser mudado por quem se encontra “dentro”, não aceito que a minha posição seja meramente ignorada por me abster de votar, tão pouco me poderia afastar de toda a vida política, pois existe em mim o desejo de alcançar o próximo e contribuir para a sociedade das formas que tiver ao meu alcance. Votei e espero que o meu voto traga a possibilidade de mudança.

Mas, essa mudança não é directamente relacionada com o sistema político. A mudança que pretendo é no indivíduo, no candidato, para que este se aperceba da imperfeição do sistema e procure melhorá-lo.

A inacção é uma forma de acção muito peculiar com a qual já não me identifico e existirá claramente um grande conflito interior em todo o indivíduo que deseja tocar o “outro” e tome qualquer posição passiva na sua vida, não tenham qualquer dúvida.

2 comentários:

  1. O impacto da abstenção é duvidavel, e o impacto dos votos brancos e votos nulos em eleições legislativas (nas presidenciais é iguao ao litro) seria muito maior. Não tenho duvidas disso. Mas, como muitas vezes digo, estás a ver todo isto de uma perspectiva errada.

    Para começar, não referiste uma divisão importante na asbtenção. As pessoas que decidem não ir votar por motivos similares aos que apresentas são uma minoria. A maioria das pessoas que não vai votar é porque não quer mesmo saber. Literalmente. Não acompanharam as eleições, não conhecem os candidatos, querem que o cavaco se foda tanto quanto o Alegre, querem que a Ferreira Leite se foda tanto quanto o Sócrates, etc. Chegaram a um ponto de taç despego com o sistema vigente que querem que o mesmo se foda.

    Esta parcela da população, que aumenta exponencialmente, não considera sequer a possibilidade de voto em branco ou voto nulo. Olham para o sistema eleitoral como se de um circo se tratasse, e preferem ir para a praia, passar o dia com a familia ou embriegados e à porrada.

    Para alguém como eu, a visão é a seguinte: Vou-me dar dar ao trabalho de ir até às urnas e esperar pela minha vez para me darem um papel onde ou não escrevo nada ou desenho um pénis, fazendo assim parte de um sistema que desprezo e também de 4% ou 5% da população que irá, como sempre, ter um impacto que é 0.

    Ou então faço um dia normal, fazendo parte de 40% ou 50% da população que se está a cagar para eleições. Não perco tempo, e poderei dizer que ajudei o povo a dizer ao PM/PR o seguinte: Houve mais gente a não votar em ninguém do que a votar em ti. És o representante de uma minoria e para a maioria és uma anedota.

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  2. Concordo com o que dizes, Zé, acerca da maioria da abstenção não ser ideológica, mas por desinteresse. Infelizmente, é o tipo de tema que me custa a abordar, pois acho quase irreal a forma como as pessoas se encontram tão desfasadas da realidade >.<

    Enfim, quanto a fazeres um dia normal, de facto, é contigo, mas nunca me pareceste um indivíduo que se considera particularmente "normal", nem creio que tal definição te agradasse, logo porque havias de seguir essa maioria que é uma minoria ideológica? Define a tua própria normalidade :P

    No final, resume-se sempre ao interesse real que o indivíduo tem de participar na vida política e de manter ou alterar o sistema actual. Eu gostaria de o mudar, no futuro, logo não posso simplesmente manter-me à parte. (Não creio que o conseguisse mesmo se não tivesse semelhante intenção, pois a inacção incomoda-me :P)

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