sábado, 15 de janeiro de 2011

A Intenção

Não desejo de nenhuma forma aborrecer-vos com definições e grandes profundezas etimológicas, basta-me referir que este pequeno texto será acerca da intencionalidade, da vontade, da liberdade. Enfim, do valor real que é dado a semelhantes conceitos e a forma como a nossa vida não pode ser devidamente compreendida sem o reconhecimento de que o ser humano escolhe.

Quando escolhemos agir de forma correcta, temos tendência a ser "louvados" ou reconhecidos. Da mesma forma que, escolhendo agir de forma incorrecta, somos alvo de reprovação.
Somos claramente responsáveis pelas nossas decisões e acções (não refiro culpabilidade, por enquanto, pois tal questão é já bem mais subjectiva e difícil de enquadrar correctamente), pela forma como estas produzem um efeito quer insignificante, quer absoluto, no tecido da realidade. Pela nossa vontade, escolhemos agir de determinada forma.

Exercemos o nosso livre arbítrio, embora nem sempre este esteja de acordo com os ideais éticos de liberdade. E é exactamente por conseguirmos distinguir entre o livre arbítrio e a liberdade que é possível discernir a existência de vontade, ou seja, somos mais do que meras máquinas que reagem de forma específica a um estímulo. Pode não vos dizer muito, mas eu vejo, num aspecto tão simples, um desígnio um pouco maior para o Homem.

A Ética define as dimensões reais das leis da mente, mas, pelo exercício de vontade, afastamo-nos dessas leis absolutas e ganhamos a nossa dimensão moral. Como tive a oportunidade de escrever anteriormente, creio que é possível a um indíviduo atingir mais unidade e coerência (quer interna, quer externa), pela tentativa de se “livrar” da Moral e caminhar para a Ética, embora tal possa ser impossível. Não posso afirmá-lo com certeza.

Receio afastar-me um pouco do tema que pretendia abordar, vou deixar de divagar.

Damos, teoricamente, grande valor à intenção, correcto? Pelo menos, tal ideia é-nos incutida desde criança, podemos vê-lo inclusivamente naquele célebre ditado: “O que conta é a intenção.”

Ah, se ao menos assim fosse. Não tenho quaisquer dúvidas que a intenção é infinitamente mais importante e plena de valor que o resultado das nossas decisões e acções, mas apercebo-me também do quão pouco sentido isto faz de um ponto de vista materialista. Temos que ser sempre materialistas, não é verdade? Sabe tão bem toda essa pequenez e ausência de significado, não?

O desportista que coloca todo o seu empenho na sua actividade, podendo colocar até a sua saúde em risco, se não produzir resultados, não é escolhido para a equipa/representar a sua nação/etc., não existe um real reconhecimento da sua vontade e intenção.

O aluno que coloca todo o seu empenho nos seus estudos, que se esforça até à exaustão, estuda e trabalha até aos limites das suas capacidades e continua sem produzir resultados satisfatórios é chumbado/impossibilitado de prosseguir no seu curso/etc., verificamos novamente não haver reconhecimento da sua intenção.

Dou apenas mais um pequeno exemplo, à laia de marca de autor, que tinha saudades de introduzir:
O indivíduo que ama, incondicionalmente, que coloca todo o seu empenho e vontade na demonstração dos seus sentimentos e, quer por falhas físicas ou mentais, quer por incapacidade da correcta expressão dos seus sentimentos (poderíamos aí introduzir a falta de receptividade ou desinteresse do receptor, mas tal é secundário, pois o sentimento vale por si mesmo, não apenas pela sua representação subjectiva) vê-se incapaz de dar o seu amor (nem sequer digo obter uma relação, pois isso afastaria o indivíduo do valor real do seu sentimento de amor) não pode deixar de se sentir desapontado, possivelmente desolado, pela falta de reconhecimento patente no seu “fracasso”.

Onde é que está o real valor da intenção, da vontade, do ser humano? Pergunto-me onde está, pois tão raramente a vi ao longo da minha vida, que por vezes quase duvido da sua existência. Não chego a duvidar, mas quase...
Onde é que está essa aceitação plena da realidade? Não vejo qualquer louvor oferecido nestas situações, vejo apenas reprovação, incapacidade de reconhecimento do valor absoluto que é a intenção da decisão e acção, independentemente do resultado material.

Sabe-me a cinzas. Respiro, como e bebo cinzas... Que sensação deplorável e desgostosa.

Não, não posso deixar as coisas nesses termos, recuso-me a aceitar o resultado como o real “resultado” da vontade e escolha do Homem. Poderão continuar a assassinar o corpo e a mente do Homem, estejam à vontade, pois tal não é suficiente para desfazer o Homem. Mais que corpo e mente, somos alma, e isto é tudo tão passageiro, porque havemos de dar tanto valor à vertente materialista?

Até ao nosso próximo encontro, os meus melhores cumprimentos...

2 comentários:

  1. A intenção raramente tem um valor pratico. Existe, mas é irrelevante.

    ResponderEliminar
  2. Digno de um nihilista! Admiro e prezo a tua coerência na constante não-atribuição de significação e valor, muito bem ;)

    Quero é ver qualquer coisa nova no teu blog :P

    ResponderEliminar

Podem comentar à vontade, peço apenas que mantenham o respeito pelos utilizadores deste blog. A boa educação é uma coisa maravilhosa!