quarta-feira, 9 de maio de 2012

O senão da hierarquização moral

Vivemos num Mundo materialista. Não é tanto uma crítica quanto um desabafo, vivemos num Mundo materialista. Temos uma tendência para organizar, quantificar e relativizar tudo, pois de outro forma somos incapazes de lidar com a realidade, mas até que ponto não serão essas ideias e comportamentos que nos impedem de melhor nos adaptarmos a essa realidade?

Na Ética, como em muitas outras disciplinas do conhecimento, existe uma ordem das coisas, uma hierarquia. Essa ordem existe como uma "muleta", para todos os efeitos, uma vez que sem hierarquização moral, a maioria das respostas a estímulos poderiam ser incorrectas, despropositadas, desproporcionais, etc., mas não consigo deixar de pensar que essa mesma hierarquização permite que certos comportamentos continuem a existir, em vez de serem extintos. É uma realidade algo difícil de aceitar, mas a verdade é que embora a sociedade tenda a criar todo um sistema jurídico baseado, em certa medida, num código moral, ainda assim em muitas ocasiões o castigo por uma acção não é concordante com a gravidade da mesma, pelo que não se consegue erradicar um comportamento indesejável. Mas isto é mais ligado ao aspecto de legalidade, enquanto que eu considero mais relevante o aspecto de moralidade...

Quando face a um dilema moral, a hierarquização moral leva-nos a "decidir" que acções são melhores/piores que outras (são considerados aspectos como o contexto, intervenientes, historial, atenuantes, etc.), no entanto isto pode ser "mal" usado para relativizar coisas que o não deviam ser. Basta pensarmos em todas as situações de "os fins justificam os meios", para vermos como uma má acção pode ser atenuada ou mesmo justificada pelo objectivo final da mesma. Roubar para salvar alguém, matar para viver, enganar para não magoar, etc., todas estas acções podem ser vistas como justificáveis, na maioria das sociedades, mas poderá ser negado que todas essas acções são incorrectas? Se formos capazes de ignorar o contexto, compreedemos que são acções claramente erradas, mas ao justificar estas acções consoante o contexto, estamos a fazer com que estas nunca deixem de ocorrer, uma vez que as aceitamos com determinadas condições.

Quer queiramos quer não, a mesma hierarquização moral que nos possibilita comparar acções, é também a que permite a existência de certas acções que deveriam ser progressivamente erradicadas das nossas sociedades. Este facto é inegável, pois quando a punição por uma má acção não tem sequer um efeito dissuasor, então essa punição é inútil, logo o comportamento não é eliminado. Obviamente, isto significa que para eliminar certos comportamentos, teríamos meramente que aumentar o nível da punição... Mas há um grande senão: como todas as acções têm o seu lugar na hierarquização moral, se se aumentar a punição de uma acção, tendo o seu "mal" permanecido inalterado comparativamente às outras acções, teria que se aumentar a punição para todas as acções. Isto levaria a um efeito "bola de neve" que levaria a que todas as acções erradas sofressem punições elevadíssimas, a dada altura desproporcionais.

Mas, sendo perfeitamente honestos, haverá sequer hipótese de eliminar comportamentos incorrectos sem uma punição de tal forma drástica que impeça futuras manifestações? É este o grave problema da hierarquização moral... A Ética que deveria esforçar-se por eliminar relativizações na busca da verdade, acaba por introduzi-las com este sistema, e somos incapazes de fazer algo quanto a isso, pois todas as outras possíveis soluções são vistas como desumanas. E talvez até o sejam, mas acabo por simpatizar com elas, porque após ver todas as coisas de que o Homem é capaz, creio que a tentativa de erradicar tudo o que é indesejável não é algo tão desumano quanto parece, sendo uma mera tentativa de atingir perfeição.

A minha sugestão, com todos os seus prós e contras, seria o da abolição de qualquer espécie de hierarquização moral. Uma punição para qualquer má acção. Um sistema brutal, sem compaixão, sem contexto, sem atenuantes. Apenas um caminho, um objectivo: eliminar a "raiz do mal" no Homem. Cuidado que essa punição não tem que ser morte nem nada que se pareça, mas algo que permita construir-se sobre aquilo que foi destruído por qualquer acção, com a diferença relativamente ao sistema actual em que a punição seria sempre a mesma e colocada a um patamar tão alto que acabaria por eliminar quaisquer vontades de voltar a agir incorrectamente (terapia de choque, de certa forma).

1 comentário:

  1. Acabei por divagar demasiado neste post, expressei-me mal, mas ainda assim espero ter conseguido passar a ideia do porquê da hierarquização moral ser simultaneamente um "bom" sistema, mas também um sistema que faz a manutenção de maus comportamentos e más acções.

    ResponderEliminar

Podem comentar à vontade, peço apenas que mantenham o respeito pelos utilizadores deste blog. A boa educação é uma coisa maravilhosa!